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domingo, 13 de junho de 2010

O MITO DE PSIQUÊ

Conta que Psiquê era a mais jovem e mais bela das três filhas de um rei. Todos os súditos corriam à sua volta para admirá-la e prestarem-lhe um mesmo culto esquecendo-se das marcas de devoção que eram devidas a Vênus, a Deusa do Amor. Vênus concebeu, então uma vingança de ciúmes e chamou o seu filho para que a ajudasse, pedindo-lhe para inspirar em Psiquê o amor pelo mais feio e mais desprezível dos homens. Cupido esticou o seu arco e voou em direção a jovem. Mas, logo que a viu ficou de tal modo encantado pela sua beleza que se apaixonou por ela e não executou as ordens da sua divina mãe.
Enquanto que as duas irmãs de Psiquê esposavam ricos personagens, a bela jovem não se decidia por nenhum pretendente. Muito preocupado, o rei, seu pai, consultou o oráculo de Apolo, que lhe ordenou vestir a sua filha de negro e a acompanhar até ao cimo de uma colina onde uma serpente horrenda viria unir-se a ela. Apesar do seu desespero, o rei executou as ordens dos deuses e abandonou Psiquê. Então, levantou-se uma brisa suave e o sopro de zefiro transportou a jovem nos ares para a pousar sã e salva num macio e fragrante prado onde ela adormeceu. No dia seguinte, mal abriu os olhos viu que se encontrava no jardim encantado de um palácio de ouro e prata incrustado de pedras preciosas. Ela aproximou-se, inquieta e curiosa, da habitação desconhecida e ouviu o som de uma voz que a convidava a penetrar na rica mansão; empurrou a porta e viu, em salas luxuosas, já preparados um banho, uma ceia e um leito suntuoso onde se deitou após o crepúsculo. Pouco depois, deu-se conta de uma presença a seu lado e pensou que fosse o marido de que tinha falado o oráculo. Este esposo apaixonado e terno pediu a Psiquê que o não olhasse. A jovem, aliás, obteve a autorização para voltar a casa por uns dias e rever os seus familiares. Mas as suas irmãs, ao vê-la assim tão feliz, tentaram criar a dúvida no seu coração e declararam-lhe que, nas trevas da noite, certamente que era a um monstro a quem ela se unia. Perturbada, Psiquê, no dia do seu regresso, ao cair da noite, quando se aproximou do seu marido que dormia, iluminou-o com a sua lâmpada. Em vez de um montro, ela distinguiu cupido, o mais belo e mais amável dos deuses. Fascinada, aproximou a lâmpada ainda mais perto e uma gota de azeite a ferver caiu, então, no ombro do seu Divino Esposo. Este despertou em sobressalto, censurou Psiquê pela sua desconfiança e desapareceu. Louca de dor, a infortunada errou à sua procura e, por fim, desesperada, dirigiu-se a vênus. A Deusa, muito feliz por se poder vingar, reteve psiquê ao seu serviço como escrava e impôs-lhe trabalhos rudes e humilhantes. Mas nenhuma tarefa parecia impossível à jovem, tanto era a coragem e perseverança que lhe dava o seu amor.
Com a ajuda das formigas, ela separou as espécies de grãos que vênus tinha misturado. Trouxe a lã de ouro de ferozes carneiros graças à ajuda de uma águia; pôde tirar a água da fonte do styx, considerada inacessível; adulou cerebro e chegou até ao trono de prosperina no mais profundo dos infernos para trazer a vênus um pouco da beleza da rainha das Sombras. No entanto, a sua curiosidade iria perdê-la uma segunda vez. Abriu uma caixa que lhe havia sido entregue por prosperina e mergulhou num profundo sono.
Durante esse tempo, fechado no palácio de sua mãe, cupido morria de amores pela bela Psiquê, até que um dia ele conseguiu escapar por uma das janelas do palácio e, logo que encontrou a sua esposa adormecida, acordou-a com uma leve picada de suas flechas. Face a um tão grande amor, vênus não ficou insensível. Mercúrio arrebatou Psiquê à terra e transportou-a para o palácio dos Deuses onde ela bebeu o néctar e a ambrósia que lhe conferiram a imortalidade.
Assim, para sempre, ela pôde ficar unida ao amor.
O sentido do conto é bem claro. Psiquê é símbolo da alma humana purificada pelas paixões e infelicidades e preparada a gozar, no amor, uma felicidade eterna. Esse mito¹ relembra aos humanos a importância da pessoa se sentir acolhida e amada. Isso tem tudo a ver com a Psicanálise, procurada pelas pessoas para aprender a lidar com a vida, para se sentir aceita e amada pelas demais
Lacan (1992) descreve, do mito de Psiquê em seu livro 8 – Seminário, A transferência o seguinte:

Psiquê favorecida por um extraordinário amor, o do próprio Eros, goza de uma felicidade que poderia ser perfeita se não lhe viesse a curiosidade de ver de quem se trata. Não que não fosse advertida pelo seu próprio amante de nunca procurar lançar luz sobre ele, sem que este pudesse lhe dizer que sanção resultaria disso, mas sua insistência em permanecer invisível era extrema. Entretanto, Psiquê não pode agir de outra forma senão chegar a isso, e naquele momento seus dissabores começaram. ( p. 220, 221)

Se o mito tem um sentido, e com efeito o de que Psiquê só começa a viver como Psiquê, isto é, não simplesmente como provida de um dom inicial extraordinário que a faz igual a Vênus, nem tampouco por um favor mascarado e desconhecido que lhe oferece uma felicidade infinita e insondável, mas enquanto sujeito de um pathos que é, propriamente falando, aquele da alma, no momento em que o desejo que a cumulou se esquiva e foge dela. É a partir desse momento que começam as aventuras de Psiquê.
( p. 226)